Existe um oba-oba rolando sobre novos aplicativos e soluções tecnológicas para combater a solidão. Assim como a depressão e o transtorno de ansiedade, o isolamento social e o empobrecimento de vínculos atinge cada vez mais pessoas de todas as idades, tem um impacto considerável no envelhecimento e já figura o próximo mal do século.
Tenho observado com algum espanto o otimismo de futuristas e fãs de tecnologia a respeito dos aplicativos que, por meio da inteligência artificial, surgem como potenciais antídotos para algo tão complexo e existencial como a falta de vínculos. Um deles chama-se Friend. Ainda em fase de testes, funciona a partir de um dispositivo pendurado no pescoço que monitora a fala do usuário. Pela identificação de padrões de linguagem, a IA detecta tristeza e angústia e, a partir de um set-up de comandos feito previamente pelo usuário, é possível pedir ajuda. Você diz: “Não estou bem" e ele responde: “Quer conversar?".
Outro exemplo chama-se Replika, um chatbot que aprende sobre você e, segundo seus desenvolvedores, tem a ambição de preencher a lacuna da solidão com palavras digitalizadas e interações programadas, como escreveu a trend hunter Daniela Klaiman em seu artigo na Época Negócios na semana passada.
Solidão e envelhecimento: uma relação preocupante
Não é de hoje que a ciência se debruça sobre o tema. Pessoas isoladas ou com poucas conexões sociais estão na mira de AVCs, demências, transtornos de ansiedade e depressão. Sem contar os prejuízos indiretos: quem vive só tende a praticar menos atividade física, se alimentar de forma precária e dormir menos.
Uma pesquisa recente da Universidade Estadual de Campinas publicada na revista Cadernos de Saúde Pública apontou que mais de um terço dos adultos (34%) mais velhos e idosos brasileiros apresentam sintomas depressivos e 16% afirmam sentir solidão – o cenário é pior para as mulheres. A solidão é uma ameaça tão séria que virou prioridade da Organização Mundial de Saúde. Em setembro do ano passado, foi criada uma comissão para lidar com essa epidemia global. Quem está à frente é o próprio diretor-geral, o biólogo e acadêmico etíope Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Invista na qualidade dos afetos para sua velhice
Há anos estudando o envelhecimento pela perspectiva da Gerontologia Social, área multidisciplinar que busca compreender o fenômeno por vias que estão além da narrativa médica, de perdas e doenças, tudo o que posso dizer sobre os aplicativos anti-solidão é que me parecem tentativas bem intencionadas, mas que estão a léguas de distância de solucionar algo complexo e tão intrínseco à condição humana: a necessidade de relações genuínas. Relações estas que são edificadas e nutridas ao longo de uma vida, que requerem habilidades das quais a IA (ainda) passa longe: empatia, resiliência, tolerância, perdão e vulnerabilidade.
Nem imóvel, nem tesouro direto nem renda fixa. O investimento mais importante para uma boa velhice é o afeto. Óbvio que ter um patrimônio material trará conforto, segurança e liberdade para sua velhice. Mas nada irá substituir a companhia de um ser humano com o qual você tem memórias, lembranças e uma relação de amor. Importante ressaltar que quando falo de “amor” me refiro muito mais às amizades do que a cônjuges, parentes e até mesmo filhos.
Parabéns aos apps que interagem e são programados para conversar. Imagino que irão evoluir bastante nos próximos anos. Eu ainda prefiro a companhia à moda antiga, vinda de humanos e para a qual não posso emitir comandos. Cuidar dos afetos é trabalhoso e demanda decisões importantes sobre gestão de tempo. Mas eu garanto: retorno garantido.
Quem somos
Mariana Mello é jornalista, estudiosa de Gerontologia (PUC-SP e Einstein) e idealizadora do Maturidades. Criou e dirige também a Alma Content, estúdio de produção de conteúdo e projetos para marcas com ênfase no tema do envelhecimento.
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