Ed. #44 - 🧨 💥 Reunião de condomínio: gerações se matam pelo Meet
Cultura de maturidade para todas as idades: você já envelheceu hoje?
Ed. #44
Acabo de chegar de uma batalha. Foram duas horas e meia de socos e pontapés entre desconhecidos, jovens e velhos: a reunião de condomínio do meu prédio. O tema desta newsletter seria outro, mas o tempo que estive com meus vizinhos me trouxe profundas reflexões sobre o quanto estamos engatinhando em relação ao convívio intergeracional. Não falo de ambiente corporativo nem nada, mas do coleguinha que está na porta ao lado — literalmente.
Moro em um prédio de classe média, localizado em um bairro relativamente nobre na cidade de São Paulo. Trata-se de uma construção de 1972, com quatro apartamentos por andar, duas torres e uma área comum significativa. Há pessoas idosas, que estão desde a construção do edifício e famílias com bebês pequenos, cujos pais – pessoal da minha idade, 40 e poucos – foram criados aqui.
🤕 Destruíram o elevador. Foi um acidente
Prédios dessa geração têm essa característica: um perfil bem diverso de moradores. Gente conservadora, gente sem educação, gente boa. Essa reunião em especial começou com um tema quente: a interdição do elevador social da torre B. Por conta de um acidente, há 8 meses ele está desligado.
Um detalhe importante: o acidente foi causado por uma pessoa idosa. A administração do condomínio é bem ruim para comunicar as coisas – até já ofereci meus serviços, fica a dica – mas fato é que um casal de idosos perdeu o controle do carro durante uma obra na garagem, acertando em cheio a porta de um dos elevadores. O motorista estava bêbado? O cara é barbeiro? Será um velho demenciado? Estas são as perguntas que circulam entre os moradores que interagem na área de lazer, vendo seus filhos brincarem no playground.
🙄 Sem tempo de ouvir sua história, my friend
Ruim de comunicação, o condomínio nunca explicou de fato aos moradores o que ocorreu. Até que hoje conhecemos a moradora que estava no carro, na assembleia via Google Meet. Dona Georgia é uma mulher idosa, de cabelos grisalhos, que vive aqui há 30 anos e quebrou o nariz no acidente. Quem dirigia era seu marido, também idoso.
Constrangida e ao mesmo tempo revoltada com a ineficiência da administração, ela queria dar explicações aos moradores sobre o ocorrido. Contar a própria versão. Dizer que o seguro foi acionado imediatamente, que as providências foram tomadas e que se estávamos até agora sem elevador a culpa não era dela.
Dona Geo, como a chamam, revelou que está sendo destratada por vizinhos. E que tem perdido amizades no prédio depois do incidente.
Mas este texto não é uma crônica sobre problema de condomínio. É sobre a falta total de paciência das pessoas para ouvi-la, que apresentou algumas dificuldades no trato com a plataforma de conferência online: levantar a mão virtualmente para pedir a palavra, abrir o microfone para falar, acessar o link do chat para preencher a lista de presença.
Um ponto da Dona Geo foi a importância das reuniões e votações serem presenciais, uma vez que muitos moradores não têm familiaridade com as ferramentas online e dessa forma são excluídos das decisões sobre o local onde moram e na esmagadora maioria são proprietários.
Teve gente irritada no chat, presidente de mesa querendo dar a pauta por encerrada e a turma do fundão com conversas paralelas no grupo de WhatsApp do prédio. E eu pensando do lado de cá: Dona Geo só precisava de atenção, ser ouvida e talvez de um abraço coletivo. Ouvir um sincero “tá tudo bem", por parte de toda a comunidade que divide esse espaço e está irritada sem elevador. Mas isso sera exigir humanidade demais de quem está muito ocupado.
↩️ Etarismo reverso? Teve!
Outras situações interessantes aconteceram nesta reunião, como moradores mais velhos praticando etarismo reverso em colocações do tipo: "Moro aqui desde quando vocês ainda nem eram nascidos", em uma intenção desabonadora.
Escrevendo sobre convívio intergeracional no trabalho, sempre dou a dica de não trazer colocações que soem competitivas entre jovens e velhos.
Tipo:
⚰️ “Esses jovens de hoje em dia não aguentam nada.”
😭 "No meu tempo não tinha esse mimimi todo.”
🏠🚗🍼 “Na sua idade eu já tinha feito isso, isso e isso.”
🦕 "Trabalho nessa área desde quando você usava fralda.”
📼 “Hoje tudo é fácil. Antigamente, para ver um filme a gente tinha que ir na locadora". [Esta última, em especial, não faz nenhum sentido para um nativo digital].
☎️ A gente precisa se falar/se ouvir
Mas voltando à prosaica reunião de condomínio do meu prédio, fiquei pensando no quanto o diálogo entre pessoas de gerações diferentes está comprometido. E nada indica que isso vá melhorar. Jovens não tiveram paciência para ouvir as explicações da Dona Geo, que encheu de detalhes a narrativa.
Os velhos, por sua vez, pareciam estar armados contra os mais novos: a mediadora, uma moça de 30 anos que é membro do conselho, foi interrompida diversas vezes por um participante idoso e insatisfeito com a atual gestão. Só faltou dizer “cala a boca, menina!". Se ela fosse outro homem da mesma idade, isso não teria acontecido.
É por isso que falo tanto em “cultura de maturidade", que foi tema do meu curso na Universidade do Tempo Útil, no Mackenzie e estou pensando em abrir turmas online no segundo semestre.
Tudo isso para dizer que…
Acho importante prestarmos atenção nessas interações em nossos próprios núcleos. Dentro de casa, na família, na vizinhança.
Aqui no prédio tem um porteiro bem velho, que toda vez demora para liberar meu acesso. Ele demora porque é velho ou desatento?
No meu trabalho, convivo com uma colega recém-saída da adolescência que paga (acho que em dólar) para não falar ao telefone. Com ela, só WhatsApp – e não pode mandar áudio. Estou sendo preconceituosa em ambos os casos? Provavelmente sim. PS. Eu exagerei: ela tem uns 27 anos.
Repare como em um mesmo dia você pode ser etarista e sofrer etarismo. Minha amiga Cris Pàz, escritora, palestrante e muito gata, sempre cita uma outra camada: o autoetarismo, aquela censura que impomos a nós mesmos por conta de ideias construídas a respeito do que é ou não adequado para determinada idade. (Escolhi a palavra “camada” para soar antenada, os jovens amam essa palavra).
Vou terminar esta edição com uma lição de casa. Vai valer nota!
Reflita sobre os itens abaixo:
1️⃣ Uma situação em que você foi etarista
2️⃣ Um etarismo que você sofreu
3️⃣ Um autoetarismo
Sobre a autora
Sou Mariana Mello, jornalista especializada em Gerontologia (PUC-SP e Einstein) e idealizadora do Maturidades. Criei e dirijo também a Alma, estúdio de produção de conteúdo e projetos para marcas com ênfase no tema maturidade e envelhecimento.
O que posso fazer pela sua empresa:
- 🧠 Curadoria e produção de conteúdo sobre envelhecimento a partir da nossa capacitação em Gerontologia, Gerontologia Social e comunicação;
- 🗣️ Mediação de paineis em eventos corporativos;
- ☕ Roda de conversa online ou presencial;
- 🧑🏫 Workshop sobre letramento e comunicação sobre cultura de maturidade.
Solicite o portfólio para conhecer meu trabalho!
📩 mariana@maturidades.com.br
Instagram: @maturidades_br
ah, como eu amo